terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Entre-Vazios-Palavras-Rimadas-Vãs

É realmente intrigante como às vezes certos fatos, a priori contingentes e banais, resultam numa cadeia de eventos incontrolável que são capazes de transformar completamente nossas vidas. Investigados mais a fundo tais fatos podem surpreender pelo proporção que podem tomar. Somos então além de frágeis, completamente impotentes ante o jogo interminável do tempo e da vida. Mesmo sob o julgo da nossa razão consciente jamais podemos perscrutar todas as consequências deflagradas por nossas inocentes e insignificantes escolhas.

“Uma inteligência que em um momento dado, pudesse compreender todas as forças que animam a natureza e a situação de todos os seres que a compõem, [...] abarcaria numa mesma fórmula os movimentos de todos os corpos do universo. Para tal inteligência, nada seria incerto, e o futuro e o passado, estariam abertos aos seus olhos.” - Laplace


Desse ponto de vista fica difícil imaginar a possibilidade de termos pleno controle de nossas próprias vidas. Por mais que nos iludamos, o caráter completamente arbitrário e caótico do universo mais uma vez nos aflige. Como o som que se propaga no abismo formando o eco, a cada intervalo de silêncio faz renascer uma fagulha de esperança que o som não será o mesmo, mas se desfaz logo que o ensurdecedor retumbar do som da indiferença faz-se repetir. Só o que nos resta é admirar a beleza do abismo.

“É uma beleza involuntária. Nasce sem que houvesse intenção por parte do homem, um pouco como uma gruta de estalactites. As formas, feitas em si mesmas, se encontram por acaso, sem nenhum plano, numa proximidade improvável, onde brilham de repente numa poesia mágica.” - Milan Kundera
“[...] a beleza por engano. Antes de desaparecer totalmente do mundo, a beleza existirá ainda alguns instantes, mas por engano. A beleza por engano é o último estágio da história da beleza.” - Milan Kundera


Mesmo a vontade nos impele a acreditar no caos completo. Nem mesmo ela, que nos parece tão íntima, tão nossa, senão nosso único objeto da consciência, nos é completamente estranha. Por mais indiferente que nos pareça, sua força propulsora não é senão a necessidade, e não o querer genuíno. Aliás, quero de fato o que quero? E mais, se quero, porque quero?

“Todas as ações são determinadas e jamais indiferentes, porque há sempre uma razão persuasiva, mas não todavia necessitante, de modo a obrigá-las a ser estas em vez de tais outras.” - Leibniz


O querer e o eterno jogo das causas e efeitos podem ser incontroláveis, podem me levar aos mais surpreendentes destinos, às vezes não tão apreciados. Mas por mais contraditório que pareça, esse despropósito que anuncia, é a maior dádiva da existência. Pois que é exatamente e exclusivamente na falta de propósito que podemos ser realmente livres. Então que a viagem comece do fim.


“Hipóteses de um Eterno Retorno

Que viagem
é viagem de ida
e volta?

Se o começo recomeça
pelo fim e o fio
de uma história,
o retorno é sempre o rio
que se enrosca
em outro rio
que derrama e deforma.

O que retorna
na paixão que se desmancha
é a perda, é a escória: é a rosa
que renasce e se arrebenta
contra o vaso
que entorna
sobre a hora da desforra.

Quem retorna
de partida?
Quem de volta
nesta vida
não retorna em sua porta
sua rosa renascida?